quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Simbolismo e destruição: o olhar profético do poeta Alphonsus de Guimaraens sobre Mariana

Alphonsus de Guimaraens (Ouro Preto, 24/07/1870 - Mariana, 15/07/1921)



Na arquiepiscopal cidade de Mariana,

Onde mais triste ainda é a triste vida humana,
 
A contemplar eu passo o dia inteiro, absorto,
 
Tudo que na minh'alma está de há muito morto,
 
No claro-escuro de uma ideal saudade
 
Que como ampla mortalha em treva escura invade
 
Os pindáricos sonhos da minh'alma,
 
Eu vejo tudo com tristeza e calma...


(Nossos agradecimentos a Duda Machado pela lembrança!)

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

"Fica Samarco": entre o egoísmo coletivo e a falta de imaginação



Mariana, como muitos outros municípios brasileiros, depende da mineração. O prefeito da cidade foi apenas sincero ao realçar esse fato em diversas entrevistas que concedeu à imprensa. Assim, é apenas natural que um grande número de famílias marianenses se sinta insegura diante das consequências que podem advir para a empresa da catástrofe que ela própria, Samarco, produziu.

O fato bruto se impõe: não há alternativa, no curto e talvez mesmo no médio prazo, para a mineração. Teremos de conviver com ela. A questão é saber em que condições vai se dar esse convívio daqui para a frente. O que as primeiras manifestações realizadas na cidade fizeram a questão de ressaltar é que, para além da urgência de se reparar as perdas das famílias e comunidades atingidas, a mineração, tal como praticada nos termos atuais, chegou ao seu limite. Uma mineração feita ao arrepio de qualquer controle sério e independente, que adentra o perímetro urbano das cidades, que emprega enormes quantidades da água de nossos rios e mananciais a custo zero, que insiste numa política de desinformação, que pede carta branca para a expansão de suas atividades em troca do aumento dos royalties. A tragédia de Mariana mostra que a persistência desse modelo em pleno século 21 é mais que um anacronismo. É um crime.

Fotos: O Tempo, 18/11/2015
 
Já se esperava que a empresa acionasse sua rede de stakeholders para tentar reverter a maré desfavorável da opinião pública. Diante do descaso com o meio ambiente, da perda de vidas humanas, diante do gigantismo da destruição e de imagens que não serão apagadas da memória, só haveria uma alternativa possível: insuflar esposas e filhos de trabalhadores da mineração a um "vem para a rua" em defesa não da comunidade e das vítimas, mas de si mesma.

A mineração não acabou nem acabará tão cedo. Mas um modelo, o atual, cujas bases são essencialmente as mesmas desde o Brasil Colônia, esse sim acabou em 5 de novembro de 2015. É sem dúvida fácil para as grandes mineradoras insuflar aqueles que dela dependem a irem para as ruas. Velada, paira sobre elas a ameaça. A mesma ameaça que sempre impede as pessoas de "falarem mal" da Vale, da Samarco. Há olheiros. Há quem possa denunciar ao supervisor. Uma cidade, a mais antiga de Minas, feita refém.

Quanto na verdade são elas, as empresas, que precisam do nosso subsolo, que precisam da força de trabalho local. Somente os ingênuos acreditam que Samarco e Vale possam dar suas costas para Mariana, deixando seus bilhões para trás.

Mas mesmo a ingenuidade tem limites. Os que vestem camisas com os dizeres "Somos todos Samarco" não praticam solidariedade uns em relação aos outros ou em relação à cidade, mas praticam sim uma forma perversa de egoísmo coletivo. Os nossos interesses acima de todos os demais. Que viva Mariana, nem que para isso pereça o mundo. Em cada rosto de adulto (pois o único medo autêntico ali era o das crianças), lê-se a triste e dura mensagem desse egoísmo coletivo: "Retomem-se as atividades da Samarco, queremos tudo como antes, acidentes acontecem. Quem mora a jusante, que procure resolver os seus problemas, vejam que a empresa está fazendo o que pode. Só não matem a galinha dos ovos de ouro. Estamos aqui para defender nossos interesses e, quanto às feridas, o tempo há de curá-las."

Em Mariana, cidade tricentenária em que o cidadão comum está isento de pagar conta de água porque "há de sobra nas redondezas", continua-se a acreditar que recursos hídricos e minerais são infinitos, e que a ação do homem sobre a natureza pode continuar seu curso irresponsável desde que cada um receba sua parte dos lucros. A parte que lhe cabe nesse latifúndio, diria o poeta.

De modo que a verdade pode ser ainda pior do que gostaríamos. Em grande medida, a ação das mineradoras continua irresponsável, alheia a quaisquer limites racionais e éticos porque a maior parte das pessoas nesta cidade funciona segundo a mesmíssima lógica: a lei primeira é a do interesse pessoal ou, o que dá no mesmo, do egoísmo coletivo.

O que levou centenas de pessoas às ruas ontem, ostentando faixas e cartazes em defesa de uma empresa que cometeu o maior crime ambiental da história do Brasil, bem pode ter sido o medo. Pode ter sido também uma forma qualquer de "falsa consciência". Mas foi ainda, e isso é triste, a recusa em refletir sobre o significado mais profundo da tragédia de Mariana. A incapacidade de se colocar uma simples pergunta: esse modelo acabou, ou deve ser mantido enquanto houver uma grama de minério a extrair do nosso chão? As cidades mineradoras podem ou não desenhar um outro futuro para si?

A falta de imaginação, tanto quanto o egoísmo coletivo ou o cinismo de um marketing obtido à custa de ameaças veladas, é que tem roubado a Mariana a possibilidade de um futuro melhor.


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O verdadeiro "mar de lama" tem origem e endereço: veja imagens do protesto desta segunda-feira em frente à sede da Vale no Rio de Janeiro

Numa demonstração de solidariedade, centenas de pessoas mostraram hoje que a Pior Empresa do Mundo de 2011 (pelo Public Eye Awards) continua merecedora desse título.


Atuação do setor minerário e conivência das autoridades: o verdadeiro "mar de lama".



Mariana pede justiça: para si e todas as localidades atingidas pelo descaso da Samarco, Vale e BHP



É esse o modelo de "desenvolvimento" que queremos?



Ilustração premonitória, quando da escolha da Vale como Pior Empresa do Mundo de 2011.


Um lembrete aos que somente agora acordaram para a urgência da questão ambiental: a expansão irrestrita da mineração (inclusive no interior das zonas urbanas, bem como em áreas de preservação e reservas naturais de água), o sucateamento das instâncias reguladoras e a ameaça de flexibilização da legislação ambiental têm contado com o inteiro apoio não só da "bancada do minério" e dos últimos governos de Minas Gerais, mas também do Governo Federal.

Até quando, Dilma? Até quando, Pimentel?

A tragédia silenciosa: os efeitos da mineração sobre os mananciais de água de Congonhas do Campo. Um minidocumentário de Danilo Siqueira




O impacto sobre a natureza após o desastre de Mariana: o que dizem os especialistas




  • Maurício Ehrlich, professor de geotecnia da Coppe-UFRJ: "Esse resíduo de mineração é infértil porque não tem matéria orgânica. Nada nasce ali. É como plantar na areia da praia de Copacabana". A reconstituição do solo pode levar "até centenas de anos, que é a escala geológica para a formação de um novo solo".

  • Ricardo Coelho, ecólogo da UFMG: "A perda da biodiversidade pode demorar décadas para ser reestabelecida. E isso ainda vai depender de programas montados para esse fim", diz. "Existe ainda a possibilidade de espécies endêmicas [que existem só naquela região] serem extintas."

  • André Ruschi, diretor da Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi: "Há espécies animais e vegetais ali [no Rio Doce] que podemos considerar extintas a partir de hoje". Ele chama a atenção para o fato de que o rompimento das barragens coincidiu com o período de reprodução de várias espécies de peixes. "É o maior desastre ambiental da história do país".

Folha de São Paulo (15/11/2015)

Como os interesses das mineradoras se impõem aos das comunidades





As mineradoras estão entre os maiores doadores da última campanha eleitoral. Na lista dos cinco maiores setores que contribuíram para a eleição de deputados, elas ocupam o quarto lugar, perdendo apenas para alimentação, bancos e construção. Juntas, doaram R$ 32,7 milhões para os 15 partidos cujos candidatos disputaram uma vaga na Câmara, principalmente por Minas Gerais, Pará e Bahia, maiores estados mineradores do Brasil.

Somente a Vale, que tem participação na Samarco, responsável pela tragédia de Mariana, doou R$ 22,6 milhões (o que faz dela a nona maior doadora da campanha eleitoral de 2014). O levantamento foi feito pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, organização que reúne mais de 100 entidades, e que, desde as eleições de 2012, monitora os financiamentos das mineradoras em todo o país.


O partido que mais arrecadou foi o PMDB, que recebeu R$ 13,8 milhões, seguido pelo PSB (R$ 5,7 milhões), PT (R$ 4,3milhões), PSDB (R$ 3,6 milhões) e PP (R$ 1,7 milhão), praticamente as maiores bancadas da Câmara dos Deputados. Para Alessandra Cardoso, uma das coordenadoras do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos (Inesc), entidade que faz parte do comitê, esse financiamento das mineradoras impede que o Congresso Nacional legisle de “forma isenta, com foco no interesse do público, em relação à mineração”. “Espero que esse acidente terrível em Mariana, que causou a morte de diversas pessoas e matou o Rio Doce, uma tragédia socioambiental sem preço e sem precedentes no Brasil, mude a visão do Parlamento sobre a legislação que envolve o setor de mineração”, afirma.

Há tempos, o comitê vem lutando para que deputados financiados pela mineração sejam afastados da comissão que discute na Câmara o novo Código da Mineração, cuja legislação atual é de 1967. De acordo com o estudo do comitê, dos 27 deputados que compõem essa comissão, apenas sete não receberam financiamento eleitoral do setor de mineração. O relator do código, deputado federal Leonardo Quintão (PMDB), teve 42% de sua campanha em 2014 bancada por empresas ligadas à mineração. A maioria desse montante, veio de doações indiretas repassadas pelos diretórios estadual e nacional do seu partido. Ano passado, ele recebeu R$ 2 milhões em financiamento desse setor, contra R$ 400 mil, em 2010, quando o novo Código da Mineração ainda não estava em tramitação.

O presidente e o vice da comissão que debate o novo código, Gabriel Guimarães (PT-MG) e Marcos Montes (PSD-MG) também receberam doações. Do total arrecadado (R$ 2,4 milhões) por Gabriel Guimarães em 2014, cerca de 20% foi doado por empresas ligadas à mineração. Na campanha anterior, esse montante era de cerca de 5%. Mesmo caso de Montes, que arrecadou cerca de R$ 3,1 milhões, sendo que 20% veio de mineradoras. Na campanha anterior, esse percentual era de 5%.

Um dos integrantes dessa comissão, o deputado federal Guilherme Mussi (PP-SP), teve sua campanha praticamente bancada pela mineração. Do total arrecadado por ele, cerca de 77% foi proveniente de empresas ligadas à mineração. Uma única mineradora, a Indústria Brasileira de Artigos Refratários, localizada no interior de São Paulo, foi responsável diretamente por cerca de 72% do total arrecadado pelo então candidato, cuja campanha custou cerca de R$ 4 milhões. A reportagem não conseguiu contato com os deputados da comissão.

Novo marco regulatório da mineração: à imagem e semelhança das mineradoras

O novo Código da Mineração foi enviado pelo governo federal em 2013 e ainda está em tramitação na Câmara dos Deputados, mas em fase final.
O relatório final de Quintão já está pronto, mas por causa de divergência ainda não foi votado na comissão especial. Para Alessandra Cardoso, depois do estouro das duas barragens em Mariana, o novo código não pode continuar tramitando do jeito que está, pois, segundo ela, não prevê nenhum tipo de cuidado com a instalação e o monitoramento de minas e de barragens para evitar que fatos como o que ocorrem em Minas se repitam no Brasil. “Espero que Mariana seja um divisor de águas e que abra uma nova forma de discutir a regulamentação da mineração no país”.

(...)

Doações feitas pelas mineradoras aos partidos

PMDB
R$ 13,8 milhões
PSB
R$ 5,7 milhões
PT
R$ 4,3 milhões
PSDB
R$ 3,6 milhões
PP
R$ 1,7 milhão
PCdoB
R$ 1,1 milhão
DEM
R$ 800 mil
Solidariedade
R$ 550 mil
PPS
R$ 400 mil
PSD
R$ 300 mil
PR
R$ 200 mil
PRB
R$ 100 mil
PSL
R$ 100 mil
PTB
R$ 50 mil
PHS
R$ 20 mil
Total
R$ 32,7 milhões

Fonte: Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração

Estado de Minas (15/11/2014). Por: Alessandra Mello