sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Algumas palavras sobre o “progresso” que a expansão das grandes mineradoras traz para Mariana, ou: pelo elementar direito de ir e vir

As cidades estão cheias de gente. As casas cheias de inquilinos. Os hotéis cheios de hóspedes. Os trens, cheios de viajantes. Os cafés, cheios de consumidores. Os passeios, cheios de transeuntes. As salas dos médicos famosos, cheias de enfermos. Os espetáculos, desde que não sejam muito extemporâneos, cheios de espectadores. As praias, cheias de banhistas. O que antes não era problema, começa a sê-lo quase de contínuo: encontrar lugar.

Nada mais. Há fato mais simples, mais notório, mais constante, na vida atual? Vamos agora puncionar o corpo trivial desta observação, e nos surpreenderá ver como dele brota um repuxo inesperado, onde a branca luz do dia, deste dia, do presente, se decompõe em todo o seu rico cromatismo interior.

Que é o que vemos e ao vê-lo nos surpreende tanto? Vemos a multidão, como tal, possuidora dos locais e utensílios criados pela civilização. Apenas refletimos um pouco, nos surpreendemos de nossa surpresa. Mas quê, não é o ideal?

O teatro tem suas localidades para que se ocupem; portanto, para que a sala esteja cheia. E do mesmo modo os assentos o vagão ferroviário e seus quartos o hotel. Sim; não há dúvida. Mas o fato é que antes nenhum destes estabelecimentos e veículos costumavam estar cheios, e agora transbordam, fica fora gente afanosa de usufruí-los. Embora o fato seja lógico, natural, não se pode desconhecer que antes não acontecia e agora sim; portanto, que houve uma mudança, uma inovação, a qual justifica, pelo menos no primeiro momento, nossa surpresa.

Estas palavras foram escritas por Ortega y Gasset há mais de 80 anos atrás. O sentimento que então invadia o filósofo espanhol era, diz ele, o de “surpresa”. O que seria rigorosamente impossível na Mariana de 2011: nosso sentimento numa cidade em que tudo está “cheio” é de incômodo; às vezes se aproxima de um verdadeiro sufocamento.

O “progresso” de que precisamos talvez seja apenas este: espaço, espaço para respirar o pouco ar que nos resta, o direito mínimo de ir e vir que tínhamos até ontem, e que nos tem sido gradativamente, silenciosamente roubado.